AULA 5 - DIGESTÃO FERMENTATIVA

AULA 5

DIGESTÃO FERMENTATIVA


1- INTRODUÇÃO

Suco fermentativo: enzimas secretadas por microrganismos

Tipicamente estudado são os herbívoros vertebrados que utilizam a fermentação para obter energia. No entanto, os pandas, os grilos, os cupins, e algumas aves também utilizam a fermentação para obter energia.

Herbívoros domésticos:

1) Monogástricos: Fermentadores caudais → coelho, capivara e cavalo

2) Poligástricos: Fermentadores cranias ou crânio-caudais → bovinos e caprinos (ruminantes)


I) CONDIÇÕES BÁSICAS NECESSÁRIAS PARA A FERMENTAÇÃO:

Trata-se das condições essenciais para que haja a colonização e a manutenção da microbiota simbionte (principalmente bactérias) no trato digestivo desses animais. A medida que o animal jovem vai desmamando, ele passa a entrar em contato com o material vegetal, o que ocasiona a hipertrofia das câmaras fermentadoras.


1) Estase do alimento

Nesse sentido, a primeira modificação no trato desses animais se dá na dilatação do tubo digestivo, afim deste ser capaz de conter o alimento por um maior período de tempo (estase), para que as bactérias consigam agir no período necessário para realizarem a fermentação.

Nos ruminantes, essa dilatação acontece no rúmen; no retículo e numa pequena porção do omaso;

Nos monogástricos (herbívoros não ruminantes, coelhos, aves) essa dilatação acontece no ceco; enquanto nos equinos, parte dessa fermentação ocorre até mesmo no cólon.

Importante: Embora haja estase, a movimentação das câmaras é necessária e segue um fluxo controlado para dar maior eficiência ao processo de fermentação (consequentemente, no de digestão).


2) Anaerobiose

Os microrganismos, especialmente as bactérias da microbiota, são ativos metabolicamente quando há uma baixa concentração de oxigênio. Isso se deve ao seu “arsenal enzimático”, pois quando a bactéria apresenta as enzimas superóxido dismutase e catalase, ela tolera a presença de oxigênio, e por isso é considerada aeróbia. Se ela não possui essas enzimas, ela não tolera a presença do oxigênio, e por isso é considerada anaeróbia. Se ela tem a enzima superóxido dismutase mas não tem a catalase, o peróxido de hidrogênio ainda pode ser clivado naturalmente, em pequenas quantidades, então a bactéria é considerada microaerófila.

Se uma bactéria anaeróbia está em um ambiente com alto teor de oxigênio, ela vai esporular, ficando metabolicamente inativa, consequentemente não realizando fermentação. Se por ventura essa bactéria não esporulada ainda assim “inalar” O2, ela apresenta um metabolismo que transforma o oxigênio em água a partir da regeneração de NADH + H+ em NAD+.

Além disso, é importante salientar que o ambiente cujas colônias bacterianas estão inseridas é altamente redutiva devido ao processo fermentativo. Isto é, tem tendência a formar radicais ácidos (prótons H+) e gás carbônico. Além do oxigênio, o CO2 é tóxico para as colônias bacterianas, nesse sentido, as bactérias biotransformam o excedente de CO2 em metano para liberá-lo. A reação de transformação de CO2 em metano se dá justamente pela adição dos prótons H+ livres ao CO2.



3) pH próximo ao neutro 

Os microrganismos são sensíveis ao pH ácido e ao pH acima de 7,5 (ideal entre 6,3 e 7,3); e a manutenção desse pH se dá de diferentes maneiras.

→ 1) Algumas bactérias utilizam os próprios ácidos formados durante a fermentação;

→ 2) Alguns ácidos são absorvidos pelo herbívoro;

→ 3) Tamponamento pelo bicarbonato. Nos ruminantes, esse tamponamento é realizado pela saliva alcalina, e é exatamente por isso que a regurgitação e a remastigação é importante para esses animais. No caso dos equinos e demais herbívoros, a alcalinização se deve, além da presença do bicarbonato, pela ação do suco pancreático.

4) Fornecimento adequado e regular de substratos 

Os microrganismos são indivíduos que têm um ciclo de vida curto, e precisam sempre estar se reproduzindo para manter o número populacional. Sabendo disso, o fornecimento regular do substrato se torna importante para que as populações estejam sempre presentes e capazes de se reproduzirem.

O fornecimento adequado do substrato se deve à capacidade fermentativa das bactérias através de seu “arsenal enzimático”. Isto é, “qual substrato ela tem metabolismo capaz de fermentar?”

5) Remoção regular e eficiente de substâncias tóxicas e/ou nocivas ao sistema fermentativo 

Remoção dos ácidos, do CO2, do O2, do metano e da amônia.


II) MICRORGANISMOS ENVOLVIDOS NA FERMENTAÇÃO DA DIGESTÃO DE HERBÍVOROS

Fungos (-10% da biomassa)

Essencialmente as leveduras. Os fungos estão envolvidos na hidrólise da lignina e do material mais duro da madeira.

Protozoários (~45% da biomassa)

Tornam a câmera dinâmica quanto ao movimento, de forma que os substratos encontrem suas enzimas no ambiente fermentativo. Além disso, os protozoários fagocitam colônias bactérias em excesso, e por isso têm um papel ecológico de controle das populações bacterianas.

Bactérias (~45% da biomassa)

Apresentam o volume de enzimas necessárias para que ocorra de fato a fermentação. As bactérias podem ser classificadas segundo a sua função metabólica, isto é:

A) de acordo com o substrato utilizado para realizar fermentação.

Celulolítica, hemicelulolítica, pectinolítica, amilolítica, lipolíticas, proteolítiacs, ureolíticas, utilizadoras de açúcar e utilizadoras de ácidos. É importante notar que não necessariamente a bactéria faz parte apenas de um desses grupos; e que se ela produz 4 enzimas diferentes que degradam esses substratos, ela faz parte de todos os quatro grupos.

B) de acordo com o produto que geram após a fermentação

Amoniogênicas, metanogênicas e sintetizadoras de vitaminas.

Normalmente, o substrato (tipo de alimento) dado ao herbívoro vai definir quais as populações que sobressairão na colônia.

Alimento mais rico em amido: maior presença de colônias amilolíticas.

Alimento mais fibroso: maior presença de colônias celulolíticas e hemicelulolíticas.



III) IDEIA GERAL DAS REAÇÕES NO PROCESSO FERMENTATIVO:

Glicídios, proteínas, lipídios → fermentação em câmaras do trato gastrointestinal → formação de ácidos graxos voláteis → absorção → formação de corpos cetônicos → emergia


A) Glicídios importantes encontrados em vegetais:

Principais glicídios encontrados em vegetais: celulose, amido, hemicelulose, pectina

Celulose: mais abundante, são os cabos horizontais espessos

Hemicelulose: são os fios menos espessos em formato de X entre os cabos de celulose

Pectinas: são as estruturas semelhantes a teia de aranha

Proteína estrutural: proteínas vermelhas transversais.


Leguminosas e gramíneas: mais celulose

Grãos: mais amido que celulose

Frutas: mais pectina e amido


A celulose é um polímero de glicoses ligadas por ligações glicosídicas B1-4.

O amido, por sua vez, também é um polímero de glicose, e é composto por amilose (ligações B1-4) e amilopectina (ligações B1-4 e B1-6)

A hemicelulose é um polímero de diferentes carboidratos, como a xilose, a manose, a glicose e a galactose.

A pectina é um polímero de ácidos galacturônicos.


B) Utilização de glicídios na fermentação:


O alimento (celulose, hemicelulose, amido, pectinas), quando chega na câmara fermentativa (rúmen), é degradado aos poucos pelas enzimas da microbiota (celulase, hemicelulase, etc.) até que se gere as hexoses. De todas as hexoses, o caminho mais comum é o da glicose.

A glicose segue para a glicólise, e gera o piruvato. Desse piruvato, ocorre a fermentação.

Comumente, as vias de fermentação vão gerar como produtos o acetato (maior quantidade), o propionato e o butirato. Esses três componentes: propionato, butirato e acetato, são os ácidos graxos voláteis. Concomitantemente, gera-se outros produtos, como CH4 e o CO2.

Algumas bactérias são capazes de aminar o esqueleto de carbono do acetato, butirato e propionato a partir de assimilação bacteriana; e podem formar aminoácidos.

Assim, os ácidos graxos voláteis, os aminoácidos e as hexoses são direcionadas para o abomaso, de forma a serem digeridos por enzimas endógenas, similarmente ao que acontece com onívoros e carnívoros. Em seguida, os produtos são absorvidos no intestino.


→ A manutenção da via glicolítica das bactérias


→ AS VIAS DO BUTIRATO, ACETATO E PROPIONATO

As vias do acetato e do butirato tem saldo “negativo” de cofatores reduzidos; isto é, é uma via que consome muito NAD+ e FAD. Nesse sentido, essa via é mais limitada pelos cofatores. A via do acetato consome 4 cofatores e a do butirato 2 cofatores.

A via do propionato não consome nenhum fator reduzido.

Visando manter o equilíbrio entre os cofatores oxidados e reduzidos, e a não acidificação do meio, há a utilização daquelas vias citadas no tópico I.

A) Para regenerar esses NADH + H+ em NAD+, usa-se da via de transformação do oxigênio em água.

B) Para regenerar esses NADH + H+, os prótons H+ são utilizados na via de formação de metano a partir da redução do CO2 pelas bactérias metanogênicas.

Importante: Com isso entende-se que para a manutenção da viabilidade das vias fermentativas, é essencial que haja a regeneração do NADH + H+ em NAD+. Esse processo é feito através da biotransformação do oxigênio em água; ou do CO2 em metano pelas bactérias metanogênicas.

A interrupção do trabalho das bactérias metanogênicas é limitador para as vias de produção dos ácidos acético e butírico, mas não para o ácido propiônico.


Nesse sentido:

VIA DO ÁCIDO ACÉTICO

VIA DO ÁCIDO PROPIÔNICO

Regeneração NAD+ Dependente

Regeneração NAD+ Independente

CH4 Hiperprodutiva

CH4 Hipoprodutiva


A via do ácido acético é a preponderante, e ela produz mais metano, é mais lenta, e o animal ganha mais peso em menor tempo. Quando a via do ácido propiônico está funcionando em maior intensidade, produz-se menos metano, mas gera-se mais ácidos, consequentemente favorecendo uma maior probabilidade de colapso das colônias bacterianas ou de acidose ruminal.

As bactéris Methanobrevibacter ruminantium são muito sensíveis a alterações das condições das câmaras fermentativas, então quando há uma alteração no meio, o processo fermentativo dessas bactérias é inibido e a via favorecida é a do ácido propiônico, porque não vai haver aquela biotransformação do CO2 em metano (nem a regeneração do NADH + H+ em NAD+).

Conclusão:

Uma dieta rica em fibra (pasto) vai gerar um menor volume de ácidos graxos voláteis, dos quais 70% é acetato, 20% é propionato e 10% é butirato. Já uma dieta rica em amido (concentrado) vai gerar um maior volume de ácidos graxos voláteis, dos quais 60% é acetato, 30% é propionato e 10% é butirato.


IV) COMO AS BACTÉRIAS CONSEGUEM TRANSFORMAR O ACETATO, PROPIONATO E BUTIRATO EM AMINOÁCIDOS

A partir da utilização de amônia e do esqueleto de carbono desses ácidos graxos voláteis.

Isobutirato (ácido carboxílico) + NH3 + CO2 → Valina + 2H2O

Isovalerato + NH3 + CO2 → Leucina + 2H2O

2-Metilbutirato + NH3 + CO2 → isoleucina + H2O


V) GLICONEOGÊNESE

Entre os ácidos graxos voláteis principais, o propionato é o único que leva à formação de glicólise dentro do metabolismo do hospedeiro.

Propionato → Propionil-CoA → Metilmalonil-CoA → Succinil-CoA → Succinato → C. De Krebs → Glicose

Se não houver propionato disponível, o animal vai utilizar substrato do músculo para formar glicose.

Esse é um fator importante porque alguns tecidos, como o sistema nervoso e os eritrócitos, são capazes de usar somente a glicose para produzir energia.


VI) CETOGÊNESE

Todos os ácidos graxos voláteis podem entrar no ciclo de Krebs para formar energia.

Entre os ácidos graxos voláteis, o propionato é o único capaz de gerar glicose pela gliconeogênese.

Os ácidos acético e butírico vão ser convertidos em corpos cetônicos (acetona, acetoacetato e beta-hidroxibutirato) pela cetogênese. A maior parte dos tecidos pode utilizar dos corpos cetônicos como combustível para gerar energia.


VII) CIRCULAÇÃO DE COMPOSTOS NITROGENADOS EM RUMINANTES

O excesso de amônia é levado ao fígado pela veia rumino-hepática. No fígado, a amônia é transformada em ureia. A ureia segue pela circulação sanguínea e alcança as glândulas salivares, até ser secretada novamente e mantida de forma cíclica no metabolismo. A ureia e a amônia estão sempre circulando para sempre haver a possibilidade da formação de aminoácidos bacterianos para o animal.


VIII) AS PROTEÍNAS BACTERIANAS EM ALGUNS HERBÍVOROS (coelho e capivara)

Cecotrofia em algumas espécies é uma estratégia de aproveitar proteínas que seriam perdidas (o animal basicamente come as próprias fezes). Assim, essas proteínas passam novamente pelo trato digestivo para sofrerem a ação das pepsinas.


IX) PATOLOGIAS RELACIONADAS AO PROCESSO FERMENTATIVO

Timpanismo: acúmulo do gás metano devido ao processo de regurgitação acometido

Acidose ruminal: desestabilização da colônia bacteriana que leva à necrose do rúmen

Retículo-pericardite traumática: a partir da grande movimentação durante a digestão, um material estranho (como pregos) podem atravessar o retículo e chegar no coração.

Cólica equina: acidificação das câmeras, acúmulo de gás metano.


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